10 Março 2020
Keymer Ávila | @Keymer_Avila
Desde 2013, uniformizados das forças venezuelanas parecem estar matando uns aos outros.
Dada a visibilidade que os casos recentes e cada vez mais diários de confrontos entre as forças de segurança do estado tiveram, consideramos apropriado apresentar nosso trabalho: “Como morre a polícia na Venezuela?”, pertencente a uma linha de pesquisa que tem como pano de fundo a análise desses casos na Região Metropolitana de Caracas, em 2016. Esses eventos recentes podem ser considerados indicadores de fragmentação entre as diferentes forças armadas do país e a existência de disputas específicas.
Consistências foram encontradas na análise dos casos em que os policiais foram vítimas de homicídio, tanto na investigação realizada na região de Caracas com casos de 2013, quanto na que foi feita em nível nacional com os casos de 2016. Uma delas é o número de autores que são oficiais das forças de segurança; isto é, oficiais que matam seus próprios colegas. No caso da região de Caracas em 2016, eles representaram 27% dos autores identificados, o que não parece ser apenas uma super-representação devido a atenção midiática que esses eventos geram, uma vez que nos arquivos policiais dos casos de 2013 esse percentual foi ainda maior: 31%. Isso confirma as conclusões de Del Olmo (1990) que, em meados da década de 1980, descreveu como pelo menos 20% dos oficiais de segurança mortos em Caracas foram vítimas de outros oficiais.
A última investigação reportou 11 oficiais: sete (67%) do Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas que mataram outro oficial do mesmo CICPC; um (9%) da Polícia Nacional Bolivariana que também matou outro colega do mesmo órgão, a quem mais tarde tentou incriminar simulando haver tido um confronto; e três (27%) policiais municipais (Polichacao) que atacaram dois membros da Força Armada Nacional Bolivariana e um escolta de um órgão público.
Esse conflito letal entre funcionários das agências de segurança parece ser menos fora da região de Caracas. Quando os casos registrados em todo o país são analisados, o percentual cai para 19% (25 casos). A distribuição desses casos pelo órgão policial e pelos estados é a seguinte:
Fonte: Ávila, 2018: 140
Se isso acontece entre colegas da mesma força policial, o que pode esperar o cidadão comum?
Diferentemente do que o discurso oficial geralmente afirma, muitas vezes de forma xenófoba, não havia estrangeiros ou paramilitares colombianos entre os autores dos crimes contra a polícia.
Outro resultado observado nas duas investigações é que a maioria das vítimas de homicídios não estava no exercício de suas funções (65%), nem uniformizados (60%), nem identificados como tais (55%). Note-se que essas porcentagens são maiores na região de Caracas. Isso confirma que na Venezuela os oficiais morrem em situações não relacionadas a seus serviços policiais. Nesse contexto, é compreensível que os casos de defesa policial legítima sejam excepcionais (entre 7% e 12% do total de casos).
Mais da metade das vítimas (51%) que não estavam exercendo suas funções estavam armadas, uma porcentagem mínima conseguiu matar seu agressor (2,5%). Em vários casos, o porte de arma fora de serviço foi um elemento importante no ataque.
Finalmente, também foi explorado se alguns desses oficiais assassinados estavam ou não envolvidos em atividades criminosas. A porcentagem nacional foi de 3,4%, cerca de nove funcionários. É importante ressaltar que destes, quase metade (quatro) eram da região de Caracas. A distribuição institucional foi a seguinte: três eram da Polícia Nacional Bolivariana, dois da Guarda Nacional Bolivariana, dois da polícia municipal (Sotillo, Anzoátegui e Heres, Bolívar), uma polícia estadual (Aragua) e uma escolta de um órgão público (Serviço Autônomo de Registros e Tabeliões, SAREN). Nenhum deles prestava serviço policial, nem estava de uniforme ou identificado como oficial no momento do incidente.
Nosso objetivo é que essa evidência possa servir na tomada de decisões político-institucionais para aumentar a segurança dos funcionários públicos e cidadãos em geral. Um dos aspectos fundamentais é a existência de processos de seleção adequados, supervisão permanente, bem como controles internos e externos reais sobre as forças armadas do país e prestação de contas, além de tornar efetivas as responsabilidades legais e institucionais correspondentes.
Publicado originalmente en Open Democracy.